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O Tribunal Superior Eleitoral, em 17.09.2019, no julgamento do Recurso Especial Eleitoral nº 193-92, originário de Valença do Piauí/PI e de relatoria do Ministro Jorge Mussi, e publicado no Informativo nº 12, Ano XXI, daquele Tribunal[1], entendeu que constitui fraude eleitoral a geração de candidaturas fictícias de mulheres para preenchimento cota feminina na formação de chapa, cuja punição é a sua cassação integral. 

A Lei nº 9.504/1997 estabelece em seu artigo 10º, §3º (redação dada pela Lei nº 12.034/2009), que é obrigação dos partidos políticos a reserva mínima de 30% das candidaturas ambos os sexos, normalmente mulheres, inclusive nos casos de preenchimento de vagas remanescentes e de substituições de candidatos, para as eleições proporcionais ou municipais.

Esta condição cuida da cota feminina ou cota de gênero, cujo objetivo é garantir a paridade de tratamento e oportunidade entre os sexos. 

A questão da participação e da representação feminina no meio político e eleitoral não é matéria recente, tendo, inclusive, sido matéria de Proposta de Emenda à Constituição nº 154, de 15.09.2015, de autoria da Comissão de Reforma Política do Senado Federal, que acresce ao artigo 101, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, a reserva de 16% (dezesseis por cento) de vagas para cada gênero na Câmara dos Deputados, nas Assembleias Legislativas, na Câmara Legislativa do Distrito Federal e nas Câmaras Municipais. 

Essa reforma de ordem política seria instituída ao longo de 03 (três) legislaturas no percentual de 10% (dez por cento), 12% (doze por cento) e, por fim, 16% (dezesseis por cento), sendo que, aquele candidato eleito fora do máximo da cota permitida para aquele gênero, seria então nomeado suplente para o cargo, dando espaço automaticamente para aquele do sexo oposto com maior votação no partido. 

A proposta está apensada às Propostas de Emenda à Constituição nº 205/2007[2], e nº 371/2013[3], e se encontra sujeita à apreciação do Plenário da Câmara dos Deputados desde 24.10.2017 para votação. 

Já no âmbito eleitoral, a reserva de vagas, na verdade, trata de retenção de percentual das candidaturas do partido político para preenchimento de candidatos do sexo oposto à maioria majoritária, no percentual mínimo de 30% (trinta por cento), nos termos do artigo 10º, §3º, da Lei nº 9.504/1997. 

Superando a discussão acerca da (in)efetividade dessa medida coercitiva para garantir, ou não, de fato a representação feminina em vistas a estratégia eleitoral, é sabido que a cota de gênero é uma ferramenta utilizada pelos partidos políticos, por vezes, de forma artificiosa apenas para ludibriar o registro de candidatura e viabilizar a formação de chapas irregulares.

Diante disso, é recorrente, desde a instituição desse instrumento teoricamente paritário, no percentual de 30% (trinta por cento), com a Lei Federal nº 12.034/2009, as discussões acerca da necessidade/viabilidade/possibilidade da cassação integral da chapa que se utiliza artificiosamente de candidaturas fictícias ou “laranjas” para preencher o mínimo legal. 

Tendo em vista a necessidade de estabelecer a repercussão eleitoral da cota de gênero sobre as chapas, o Tribunal Superior Eleitoral, em 17.09.2019, no julgamento do Recurso Especial Eleitoral nº 193-92, Valença do Piauí/PI, decidiu pela cassação indiscriminada dos candidatos eleitos pela coligação, constatada a fraude.

Entendeu-se que não adiantaria a mera cassação das candidaturas “laranjas”, haja vista que a ausência de punição severa e objetiva incentiva a prática e a sua reiteração, além de culminar em quociente partidário favorável[4] e no aproveitamento dos votos pelas legendas[5]. Desse modo, independentemente de não haver prova cabal da anuência ou participação, deverá toda a coligação ter sobre si a penalidades aplicadas. 

Vejamos extrato da ementa do acórdão: 

RECURSOS ESPECIAIS. ELEIÇÕES 2016. VEREADORES. PREFEITO. VICE-PREFEITO. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL (AIJE). ART. 22 DA LC 64/90. FRAUDE. COTA DE GÊNERO. ART. 10, § 3º, DA LEI 9.504/97. 1. O TRE/PI, na linha da sentença, reconheceu fraude na quota de gênero de 30% quanto às candidaturas das coligações Compromisso com Valença I e II ao cargo de vereador nas Eleições 2016, fixando as seguintes sanções: a) cassação dos registros das cinco candidatas que incorreram no ilícito, além de sua inelegibilidade por oito anos; b) cassação dos demais candidatos registrados por ambas as chapas, na qualidade de beneficiários. (…) TEMA DE FUNDO. FRAUDE. COTA DE GÊNERO. ART. 10, § 3º, DA LEI 9.504/97. ROBUSTEZ. GRAVIDADE. AFRONTA. GARANTIA FUNDAMENTAL. ISONOMIA. HOMENS E MULHERES. ART. 5º, I, DA CF/88. 4. A fraude na cota de gênero de candidaturas representa afronta à isonomia entre homens e mulheres que o legislador pretendeu assegurar no art. 10, § 3º, da Lei 9.504/97 – a partir dos ditames constitucionais relativos à igualdade, ao pluralismo político, à cidadania e à dignidade da pessoa humana – e a prova de sua ocorrência deve ser robusta e levar em conta a soma das circunstâncias fáticas do caso, o que se demonstrou na espécie. 5. A extrema semelhança dos registros nas contas de campanha de cinco candidatas – tipos de despesa, valores, data de emissão das notas e até mesmo a sequência numérica destas – denota claros indícios de maquiagem contábil. A essa circunstância, de caráter indiciário, somam-se diversos elementos específicos. (…) CASSAÇÃO. TOTALIDADE DAS CANDIDATURAS DAS DUAS COLIGAÇÕES. LEGISLAÇÃO. DOUTRINA. JURISPRUDÊNCIA. 8. Caracterizada a fraude e, por conseguinte, comprometida a disputa, não se requer, para fim de perda de diploma de todos os candidatos beneficiários que compuseram as coligações, prova inconteste de sua participação ou anuência, aspecto subjetivo que se revela imprescindível apenas para impor a eles inelegibilidade para eleições futuras. Precedentes. 9. Indeferir apenas as candidaturas fraudulentas e as menos votadas (feito o recálculo da cota), preservando-se as que obtiveram maior número de votos, ensejaria inadmissível brecha para o registro de “laranjas”, com verdadeiro incentivo a se “correr o risco”, por inexistir efeito prático desfavorável. 10. O registro das candidaturas fraudulentas possibilitou maior número de homens na disputa, cuja soma de votos, por sua vez, contabilizou-se para as respectivas alianças, culminando em quociente partidário favorável a elas (art. 107 do Código Eleitoral), que puderam então registrar e eleger mais candidatos.11. O círculo vicioso não se afasta com a glosa apenas parcial, pois a negativa dos registros após a data do pleito implica o aproveitamento dos votos em favor das legendas (art. 175, §§ 3º e 4º, do Código Eleitoral), evidenciando-se, mais uma vez, o inquestionável benefício auferido com a fraude. 12. A adoção de critérios diversos ocasionaria casuísmo incompatível com o regime democrático. 13. Embora o objetivo prático do art. 10, § 3º, da Lei 9.504/97 seja incentivar a presença feminina na política, a cota de 30% é de gênero. Manter o registro apenas das candidatas também afrontaria a norma, em sentido contrário ao que usualmente ocorre. (Recurso Especial Eleitoral nº 19392, Acórdão, Relator(a) Min. Jorge Mussi, Publicação:  DJE – Diário de justiça eletrônico, Tomo 193, Data 04/10/2019, Página 105/107)

Conforme apontamento realizado no Informativo nº 12, do Tribunal Superior Eleitoral, a Ministra Rosa Weber ressaltou que “o parâmetro normativo não deixa margem à dúvida quanto à obrigatoriedade de cassação do registro ou diploma dos candidatos beneficiados pelo ato abusivo, independentemente, da sua contribuição ou anuência com a prática do ilícito”, haja vista “o bem jurídico tutelado pela norma seria a legitimidade e normalidade das eleições”.

Como se vê, o Tribunal Superior Eleitoral assumiu um posicionamento claro e objetivo no que se refere a problematização da fraude no preenchimento das vagas reservadas à cota de gênero, o qual não deixa dúvidas quanto ao interesse em garantir a democracia e a igualdade e paridade entre os gêneros nos âmbitos político e eleitoral. 

Referencial bibliográfico: 

BRASIL. Lei nº 4.737, de 15 de julho de 1965. Institui o Código Eleitoral. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l4737.htm>. Acesso em 29.10.2019.

BRASIL. Lei nº 9.504, de 30 de setembro de 1997. Estabelece normas para as eleições. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9504.htm>. Acesso em 29.10.2019.

Proposta de Emenda à Constituição nº 134, apresentado em 15.09.2015, pela Comissão de Reforma Política do Senado Federal. Ementa: Acrescenta art. 101 ao Ato das Disposições Constitucionais Transitórias para reservar vagas para cada gênero na Câmara dos Deputados, nas Assembleias Legislativas, na Câmara Legislativa do Distrito Federal e nas Câmaras Municipais, nas 3 (três) legislaturas subsequentes. Disponível em: < https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=1724716&ord=1>.  Acesso em 29.10.2019.

Proposta de Emenda à Constituição nº 205, apresentado em 12.12.2007, por Luiz Carlos Hauly – PSDB/PR. Ementa: Fixa reserva de vaga na representação da Câmara dos Deputados e do Senado Federal para mulheres e dá outras providências. Disponível em: <https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fich adetramitacao?idProposicao=380754>.  Acesso em 29.10.2019.

Proposta de Emenda à Constituição nº 371, apresentado em 12.12.2013, por Iriny Lopes (PT/ES). Ementa: Dá nova redação aos arts. 45 e 46 da Constituição Federal, fixando reserva de vaga para mulheres na representação da Câmara dos Deputados e do Senado Federal e dá outras providências. Disponível em: < https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=604356>.  Acesso em 29.10.2019.

Recurso Especial Eleitoral nº 19392, Acórdão, Relator(a) Min. Jorge Mussi, Publicação:  DJE – Diário de justiça eletrônico, Tomo 193, Data 04/10/2019, Página 105/107


[1] Informativo TSE. Assessoria Consultiva do Tribunal Superior Eleitoral (Assec). Brasília, 16 a 29 de setembro – Ano XXI – nº 12.

[2] Proposta de Emenda à Constituição nº 205, de 12.12.2007, de Luiz Carlos Hauly (PSDB/PR). Ementa: Fixa reserva de vaga na representação da Câmara dos Deputados e do Senado Federal para mulheres e dá outras providências. Atualmente sujeita à apreciação do Plenário da Câmara dos Deputados.

[3] Proposta de Emenda à Constituição nº 371, de 12.12.2013, de Iriny Lopes (PT/ES). Ementa: Dá nova redação aos arts. 45 e 46 da Constituição Federal, fixando reserva de vaga para mulheres na representação da Câmara dos Deputados e do Senado Federal e dá outras providências. Atualmente sujeita à apreciação do Plenário da Câmara dos Deputados.

[4] Código Eleitoral. Art. 107 – Determina-se para cada Partido ou coligação o quociente partidário, dividindo-se pelo quociente eleitoral o número de votos válidos dados sob a mesma legenda ou coligação de legendas, desprezada a fração.

[5]  Código Eleitoral. Art. 175 (…) § 3º Serão nulos, para todos os efeitos, os votos dados a candidatos inelegíveis ou não registrados. § 4º O disposto no parágrafo anterior não se aplica quando a decisão de inelegibilidade ou de cancelamento de registro for proferida após a realização da eleição a que concorreu o candidato alcançado pela sentença, caso em que os votos serão contados para o partido pelo qual tiver sido feito o seu registro.

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